domingo, 16 de agosto de 2009

Um pedacinho do Japão

Apesar de conservar a tradição japonesa através do idioma, de danças típicas e do taikô, Mombuca em nada se aparece com o Japão caótico que conhecemos. Em meio à natureza, a colônia agrícola foge da agitada vida urbana


Quarenta quilômetros. É aproximadamente essa a distância que separa Ribeirão Preto de um pedacinho do Japão bem perto daqui, em Guatapará. Logo na entrada de Mombuca, uma caixa d’água acolhe os visitantes com a mensagem “Seja bem-vindo à Colônia Guatapará”. Mas somente com a ajuda da senhora Akemi Kuramochi Sato, funcionária da Associação Agro Cultural e Esportiva de Guatapará, é que foi possível entender o que estava escrito em japonês.
No Brasil, a imigração japonesa começou em 18 de junho de 1908, há 100 anos, quando o navio Kasato Maru aportou com 158 famílias na cidade de Santos. Elas vinham para o Brasil em busca de melhores condições de vida. Em 29 de junho do mesmo ano, 52 dessas famílias desceram na estação ferroviária de Ribeirão Preto. Acompanhadas por tradutores, foram encaminhadas para fazendas de toda a região, onde trabalhariam nas lavouras de café.
No entanto, Mombuca só começou a existir em 1962, 54 anos depois que os primeiros imigrantes japoneses chegaram ao Brasil. “No início, viviam aqui mais de 130 famílias. Hoje são apenas 105”, conta Kizuki Nitta, vice-presidente da associação, cuja família veio do Japão quando ele tinha apenas 12 anos, em 1963. No mesmo navio estavam mais cinco famílias japonesas que também foram morar na colônia.
Mombuca é uma colônia agrícola e, hoje, constitui um dos bairros de Guatapará. Nitta conta que a área foi comprada pelo governo japonês por ser uma região entre rios e com muitos brejos, condições ideais para o plantio de arroz e da flor de lótus, cuja raiz é bastante utilizada na culinária japonesa. “As famílias que tinham interesse em vir para cá escolhiam, através de fotos, os lotes de Mombuca que mais lhes interessavam e faziam a compra das terras ainda no Japão. Só então vinham cá”, explica.

Uma vida nada urbana

Em meio a toda urbanização de Araraquara e Ribeirão Preto, cidades que ficam próximas a Mombuca, a colônia ainda conserva um estilo de vida que em nada lembra os grandes centros urbanos. Ruas de terra, pequenos mercados, população conversando distraidamente nas ruas. Mombuca é um pedacinho do Japão que não comporta as grandes empresas e novas tecnologias, mas que abriga um povo simples e preocupado em manter as tradições japonesas, que são passadas de geração para geração através da culinária, origami, danças típicas, taikô e aulas de japonês.
No entanto, apesar de ser um lugar bastante calmo, Mombuca também sofre com problemas urbanos. Nitta conta que o bairro vinha sofrendo assaltos e, por intermédio da associação, um vigilante noturno foi contratado e seu salário é pago por todos os moradores.
Francisco Shoiti Mogui nasceu e mora em Mombuca e é proprietário de um pequeno mercado. Seu pai é japonês e a mãe é nissei – filha de japoneses – que morava em Sertãozinho. Eles casaram e foram para a colônia. Ele diz que um dos pontos positivos dali é a possibilidade de conhecer quase todos os moradores locais. “Mas é uma desvantagem para quem tem comércio, assim como eu. É muito chato ter que cobrar quem a gente conhece”. Mogui também conta que apenas um terço dos habitantes de Mombuca são japoneses – bem diferente de quartro décadas atrás, quando todos tinham vindo do Japão. “Muitas famílias brasileiras vieram morar aqui por conta da proximidade de seus locais de trabalho”.
As festividades da colônia também são organizadas pela associação. Pergunto para Nitta se as novas modas japonesas chegaram por lá, como cozplay, atividade em que pessoas se caracterizam e interpretam personagens de animes (animações japonesas) e mangás (quadrinhos japoneses). Ele me diz que um grupo de cozplayers de São Carlos é convidado para fazer apresentações durante as festividades, mas a colônia não tem nenhum grupo assim. Nitta também explica que Mombuca tem uma escola do pré-primário ao quinto ano. Então os jovens precisam ir para outras cidades para concluírem seus estudos e acabam tendo contato com tecnologias que não são comumente encontradas em Mombuca, como aparelhos MP3 e MP4.
Muitos moradores de Mombuca têm, em suas casas, computador e acesso à internet, que pode ser via rádio ou discada. Quando pergunto sobre TV a cabo, Nita se levanta da mesa da sala de reunião da associação e liga a TV. Com um sorriso no rosto, ele mostra um programa transmitido diretamente do Japão e conta que, na colônia, eles não têm TV a cabo, mas sim via satélite. “As pessoas gostam de assistir esses programas porque ficam sempre em contato com a cultura japonesa”.

De geração para geração

Como forma de preservar a cultura, Mombuca oferece aulas de japonês. No entanto, não são apenas os jovens que preservam essa cultura. Os idosos participam de jogos de gateball, que acontecem três vezes por semana. O jogo surgiu no Japão, em 1947, e foi criado por Eiji Suzuki com o intuito de propiciar às crianças uma brincadeira divertida que pudesse amenizar a angústia causada pela Segunda Guerra Mundial (1939-45). Em 1979 o gateball foi trazido ao Brasil por Matsumi Kuroki. Com o tempo, porém, o jogo se tornou um passatempo para os idosos.
Entre as crianças de Mombuca, uma das principais maneiras de se preservar a cultura é através das aulas de japonês, com alunos que têm entre 5 e 16 anos. Nas manhãs de sábado, antes do início de uma dessas aulas, alunos e professores participam de uma espécie de alongamento ao som de música e instruções japonesas.
Dílson Hiroyuki Saeki nasceu no Paraná, mas mudou-se com os pais para Mombuca há 38 anos e, desde 1991, ministra aulas de japonês na colônia. Assim como os outros professores, Dílson, no dia-a-dia, tem outra ocupação. Durante a semana, ele trabalha com shiatsu e yoga, terapias japonesas. E, nos finais de semana, passa a ser um dos professores da colônia. Ele explica que, no início, são os pais que impõem o aprendizado do idioma. “Quando chegam aos 14, 15 anos, eles começam a entender a importância da língua. Eles podem colocar o aprendizado no currículo. Vai ser uma coisa a mais no futuro”.
Além das aulas de japonês, os jovens também procuram as aulas de taikô – instrumento de percussão parecido com tambor. Afonso Takayoshi Hayashi, de 15 anos, e Massam Shitara, de 14, estudam a língua na mesma turma em Mombuca. Massam mora com a família e Afonso cursa o ensino médio em uma escola – ambos em Ribeirão. Eles têm aulas de japonês nas sextas e sábados em Mombuca e, aos domingos, têm aulas de taikô. São tantas as atividades que Afonso diz não ter nem tempo para sair com os amigos, mas acaba encontrando parte deles durante as aulas de finais de semana. Os dois amigos gostam de Mombuca, mas não pensam em morar na colônia depois que estiverem formados. “Gosto de algumas coisas aqui, mas de outras não. O ar é melhor que o de Ribeirão e tem a natureza, mas é tudo muito precário”, explica Afonso. Já Massam tem vontade de morar no Japão, mas são planos para o futuro.
As amigas Arissa Kondo, de 13 anos, e Toshiko Otsu, de 12, também estudam japonês e taikô. Arissa conta que sente dificuldade em aprender o japonês e que, na sua casa, a família toda fala português. Toshiko é exceção. Ela diz que não gosta das aulas, mas participa porque os pais querem que ela aprenda o idioma. No entanto, não enfrenta muitas dificuldades durante o aprendizado porque o japonês é um idioma que faz parte do seu dia-a-dia. “Ela conversa em japonês com os avós e aprende rápido”, diz Arissa. Então pergunto sobre os moradores mais velhos de Mombuca e ambas dizem que a maioria conversa no idioma de sua terra natal e sabem apenas o básico, como “bom dia” e “obrigado”. Assim como Afonso e Massam, as amigas também enfrentam dificuldades na hora de sair pra ficar com os amigos. A solução encontrada é um site de relacionamentos, em que deixam recados para os amigos, e um programa de mensagens instantâneas, através do qual podem conversar quando quiserem com colegas que estão em outra cidade. Arissa e Toshiko ainda têm dúvidas sobre qual curso fazer na faculdade e sobre sair de Mombuca. “Gosto daqui. É bem calmo”, afirma Arissa.
Os jovens têm dúvidas quanto ao futuro e à possibilidade de morar em outro lugar. Já os mais velhos têm opinião unânime. Akemi chegou a Mombuca aos 5 anos, em 1963, acompanhada dos pais. Ela fala que trabalhou na associação muitos anos, mas, quando casou, foi morar em Ribeirão Preto. Depois de 4 anos, voltou para a colônia e para a associação e diz que não sairá outra vez de Mombuca para morar em outro lugar. Mogui conta que passou no vestibular de uma universidade de Ribeirão Preto em 1989, mas, antes de fazer sua matrícula, foi para o Japão, onde morou, trabalhou e voltou para o Brasil. Depois disso, morou no Japão mais 3 vezes, mas não sai de Mombuca desde 2002. Também perguntei se ele sairia da colônia para morar, novamente, em outro lugar. Ele me responde sem hesitar: “Não. Já conheci outros lugares, mas a gente sempre volta para a terra natal. Meu lugar é aqui”.
Matéria publicada na revista Vida Urbana, projeto laboratorial dos alunos do curso de Jornalismo da Unaerp - Dez/2008