terça-feira, 8 de janeiro de 2008

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O gerundismo, modo de falar como a expressão no título acima, vira ´moda` e polêmica entre as pessoas. Professora de português alerta, no entanto, que a forma adotada popularmente é incorreta


Com certeza você já escutou alguém dizer que “vai estar fazendo alguma coisa”. Essa locução verbal, composta pela forma “vou estar + verbo no gerúndio”, é chamada gerundismo e começou a ser utilizada, entre as décadas de 1980 e 1990, por atendentes de call centers, que recebiam um manual de treinamento que fora traduzido do inglês ao pé da letra, de construções como I will be doing.
De acordo Gema Pereira, professora de português, o gerúndio deve ser utilizado para indicar uma ação em andamento ou, na construção “vou estar + gerúndio”, para designar duas ou mais ações que vão ocorrer ao mesmo tempo. No entanto, depois da difusão dos call centers, o gerundismo ganhou as ruas e virou moda. O que estigmatizou a forma foi a utilização sem intenção de comunicar ações simultâneas Hoje, muitas pessoas utilizam-no constantemente em discursos, acreditando ser essa a norma culta da língua portuguesa.
Apesar disso, o uso dessa locução verbal divide opiniões. O gerente comercial Tiago Guelli Lopes, por exemplo, é radical quanto à utilização do gerundismo em quaisquer ocasiões. Segundo ele, a forma anula toda a comunicação. “As pessoas que falam usando gerundismo são inseguras e desinformadas. Chego até a dizer que são aculturadas. Elas não sabem tomar uma decisão ou têm medo de fazê-lo”, explica. “Quem escuta alguém falando assim, tem total imprecisão de quando algo acontecerá”, completa Lopes.
O estudante Fabrício Moura Zaneti discorda da opinião do gerente comercial e se justifica explicando que a língua portuguesa é composta por dialetos diferentes, de acordo com a região do país. Ele conta que começou a utilizar o gerundismo na época em que trabalhou numa grande empresa de telefonia. Hoje, a locução verbal tornou-se um vício de linguagem. “Os scripts da empresa vêm nesse molde e são feitos para estabelecer um nível ‘pseudo-formal’ entre pessoas de diferentes regiões e classes sociais”.
Zanetti, porém, admite que a construção é incorreta e causa problemas na comunicação. “Ao longo dos anos foram abreviados muitos termos e palavras, a fim de tornar a comunicação mais simples. Mas o gerundismo é o oposto. São empregadas mais palavras, e desnecessárias, que tornam a comunicação complicada. Acredito que isso seja uma atrocidade para a língua portuguesa”, afirma.
Tamanha é a sensação de imprecisão com o uso do gerundismo que, no dia 28 de setembro de 2007, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, tomou uma decisão inusitada: ele assinou um decreto “demitindo” o gerúndio de todos os órgãos do governo. No artigo 2º, do decreto nº 28.314, está escrito que “fica proibido (...) o uso do gerúndio para desculpa de ineficiência”.

Reformular a língua

Apesar do modismo no uso de palavras e expressões erroneamente, existem pessoas que ainda se preocupam com nosso idioma. E o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoBSP) é uma dessas pessoas.
Em 1999, o deputado criou um Projeto de lei para reforma da língua portuguesa, em que defende a promoção e valorização do idioma através de cursos para a população, além de melhorar o currículo dos cursos de Comunicação. Outro ponto importante é o estrangeirismo. “A sociedade brasileira já dá sinais claros de descontentamento com a descaracterização a que está sendo submetida a língua portuguesa frente à invasão silenciosa dos estrangeirismos excessivos e desnecessários”, explica.
O Projeto, que defende o idioma como patrimônio brasileiro, foi aprovado em 2001, na Câmara, e em 2003, no Senado. Ele sofreu modificações e aguarda nova votação da Comissão de Constituição e Justiça antes de ir para o Plenário para aprovação definitiva.
Segundo Aldo Rebelo, o projeto zela pela língua como direito do povo se comunicar, já que muitas expressões do dia-a-dia são tomadas pelo estrangeirismo e tornam-se incompreensíveis para grande parcela da população brasileira. “A língua portuguesa tem que ser valorizada porque é nosso patrimônio. Além disso, o povo tem o direito de entendê-la e se comunicar”. Quando o assunto é gerundismo, o deputado responde com uma só palavra: “vício”.



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DECRETO Nº 28.314, DE 28 DE SETEMBRO DE 2007
DODF DE 01.10.2007

Demite o Gerúndio do Distrito Federal, e dá outras providências.

O governador do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 100, incisos vii e xxvi, da Lei Orgânica do Distrito Federal, decreta:

Art. 1º - Fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal.
Art. 2º - Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de INEFICIÊNCIA.
Art. 3º - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 28 de setembro de 2007
119º da República e 48º de Brasília
José Roberto Arruda

Fonte: Sistema Informatizado de Legislação – Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do Distrito Federal – http://sileg.sga.df.gov.br/






Matéria publicada no Jornal do Ônibus - jornal laboratório do curso de Jornalismo da Unaerp - edição de Dezembro/2007

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